Presidente da Federação das Pescas diz que sem apoios imediatos “dificilmente muitas empresas da pesca vão conseguir aguentar a atividade”

Presidente da Federação das Pescas diz que sem apoios imediatos “dificilmente muitas empresas da pesca vão conseguir aguentar a atividade”

Gualberto Rita alerta que dificuldades já se começam a sentir nesta segunda vaga da pandemia e são precisos apoios para o sector.

Gualberto Rita diz desconhecer qual a verba do Plano de Resiliência e Recuperação dos Açores que será destinada às pescas e que neste tempo de pandemia, os apoios para as pescas “foram praticamente nulos” por não se adequarem ao sector. O Presidente da Federação das Pescas refere que são necessários apoios imediatos para que algumas empresas da pesca se mantenham em atividade.

Em relação à cerca sanitária a Rabo de Peixe e à testagem em massa à comunidade, Gualberto Rita, alerta que deve haver alguma prioridade aos pescadores que vão exercer a sua atividade noutros portos. Elenca algumas medidas urgentes para o sector e mostra-se disponível para colaborar com o novo Secretário Regional do Mar e das Pescas, em prol de um melhor rendimento dos pescadores.

Correio dos Açores – Quais as expectativas da Federação das Pescas dos Açores relativamente ao novo Governo e ao Secretário Regional do Mar e Pescas, Manuel São João?

Gualberto Rita (Presidente da Federação das Pescas dos Açores) – Desconheço o conhecimento do Doutor Manuel São João do sector das pescas, mas para nós é de saudar o facto de integrar numa Secretaria os assuntos do Mar e das Pescas, o que julgamos irá permitir haver uma concentração maior no sector das pescas. Não é que fosse algo que já não existia, mas é preferível que haja uma Secretaria concentrada apenas nos assuntos do Mar e das Pescas porque há muitos assuntos importantes a ser decididos e uma Secretaria apenas com essas duas áreas, é muito importante para nós. Relativamente ao novo membro do Governo, a Federação das Pescas e as Associações que a constituem, estamos perfeitamente disponíveis para o diálogo com o Senhor Secretário, colocando as nossas preocupações em cima da mesa e os assuntos que achamos pertinentes para resolver no imediato, e mostrar a nossa total disponibilidade para trabalhar com este novo elenco governativo. E também para pôr em prática algumas medidas que, tanto nós como a proposta desta coligação de Governo consideramos, nomeadamente aquilo que é uma das maiores preocupações do sector que é o rendimento dos pescadores.

Que assuntos considera mais pertinentes para resolver no imediato?

Em primeiro lugar, tudo o que envolve a segunda vaga da pandemia que tem-se feito sentir bastante no sector das pescas. Vemos as descargas em lota e os valores com decréscimos bastante significativos e que têm um impacto bastante grande no rendimento dos pescadores. Recordo que normalmente entre o mês de Novembro e o dia 20 de Dezembro, para as pescas, é a altura do ano em que se vende mais e com melhor preço, e que tem um peso bastante significativo naquilo que é o rendimento ao longo do ano, com preços nas espécies mais nobre que chegam a atingir valores bastante significativos. Isso não está a acontecer, pelo menos até ao momento. Os mercados em termos internacionais têm fechado, as compras têm descido significativamente e os preços em lota têm descido bastante em relação ao mesmo período do ano passado. Estamos a prever uma quebra nas vendas em lota, bastante significativa. Por isso, vai ser necessário tomar as medidas urgentes para colmatar essas quebras de rendimento e na primeira venda. Recordo que muitos armadores recorreram à cessação temporária de atividade e vamos ter de ter respostas urgentes por parte do Governo para esse apoio a que os armadores se candidataram. Achamos que o valor que estava previsto para essa medida, de 700 mil euros, é muito reduzido para fazer face à paragem que está a haver de muitos armadores que estão a parar por via desses decréscimos de valores em lota e do fecho dos mercados em termos internacionais. E julgamos que tem de haver um reforço dessa verba bem como a possibilidade de mecanismos de apoio aos pescadores até a situação voltar à normalidade que, esperamos, seja com a maior rapidez possível.

A cerca sanitária em Rabo de Peixe, sendo uma grande comunidade piscatória, irá condicionar ainda mais a atividade?

Sem dúvida. Temos muitas embarcações que estão em Vila Franca do Campo e em Ponta Delgada, e os armadores estão em Rabo de Peixe. E isso dificulta muito a atividade destes armadores. Estamos a aguardar que a Direção Regional de Saúde nos dê indicações de qual será o procedimento. Há embarcações que vão permanecer no porto de Rabo de Peixe e aí já temos a garantia da Lotaçor que a lota estará em funcionamento e que estes poderão exercer a sua atividade de forma normal. A nossa preocupação maior concentra-se nas embarcações que estão no porto de Vila Franca do Campo, nomeadamente o que chamamos de “chicharreiros”, que trabalham mais a pesca do chicharro, e as outras embarcações que se encontram no porto de Ponta Delgada e que ficam limitadas às suas saídas. Enquanto houver mau tempo, que se tem sentido nos últimos dias, a situação está controlada, mas a partir dessa altura vamos ter de necessariamente adotar medidas que permitam que estes pescadores voltem à atividade porque precisam de ter rendimentos para sustentar as suas famílias.

Está prevista a testagem em massa da população de Rabo de Peixe. Tem-lhe chegado algum descontentamento ou apreensão por parte dos pescadores?

Julgo que a Direção Regional da Saúde vai ter de ter algumas prioridades nessa testagem, e aqui colocaria a questão do sector da pesca com esta prioridade, uma vez que têm de se deslocar a outros concelhos para exercer a sua atividade. Desde o início, quando começou a pandemia, o sector das pescas tem dado respostas bastante positivas nesse aspeto. Isto porque sempre reconhecemos que casos de COVID-19 numa comunidade piscatória não serão uma situação muito fácil de gerir, ainda mais em comunidades piscatórias como Rabo de Peixe em que se concentram muitos pescadores numa única embarcação. Obviamente que é uma situação preocupante. Preocupa-nos imenso. Os nossos pescadores estão conscientes das necessidades de proteção que tem de haver quer seja a bordo, quer seja fora das embarcações. Mas de facto, é uma situação que nas comunidades piscatórias não é muito fácil de se aplicar. Por isso julgo que vai ter de haver aqui esta necessidade de testar o mais rapidamente possível os pescadores que saem da Vila para outros concelhos, mas julgo que estão disponíveis para colaborar com todas as entidades para que isso seja possível e que voltem à sua atividade com a maior brevidade possível.

O que precisa de mudar na pesca?

Se formos ver o que consta nas prioridades dos partidos que fazem parte da coligação deste Governo, colocaram como prioridade resolver a precariedade que existe no sector da pesca em relação aos rendimentos. Concordo que em algumas comunidades piscatórias esta é uma questão que tem de ser revista e estamos aqui para colaborar. Para além disso, temos alguns assuntos que queremos que sejam revistos em termos de portarias para as pescas. Nomeadamente o que diz respeito aos Beryx (imperador e alfonsim) e ao goraz, e de outras espécies, que precisamos que sejam revistas. No que diz respeito à formação, é um assunto muito importante para resolver. Foi feito um trabalho muito importante em relação à formação até ao momento e achamos que deve haver essa continuidade de trabalho na formação. Existem alguns pescadores ainda com necessidade de resolver a sua situação para poderem exercer a sua actividade no mar e a questão da formação é importante. Há ainda aspetos que tem a ver com a portaria dos abates de artes de pesca e de abate de embarcações, que terminam no final do ano e que necessitamos de serem revistas e saber da possibilidade de dar continuidade a estas portarias. São aspetos que achamos que no imediato têm de ser tidos em atenção pelo novo Secretário das Pescas para fazer com que este sector continue a ser próspero e as coisas continuem a correr bem.

Em relação ao Plano de Resiliência e Recuperação dos Açores, deverá alocar para a Região cerca de 580 milhões de euros. Já sabe quanto desta verba será para a pesca?

Desconheço. Não sei o que caberá ao sector das pescas. De qualquer forma, gostava de referir que no que diz respeito a apoios para as pescas, recordo que a maior parte dos apoios que houve não tiveram aplicação prática no sector das pescas. Porque as linhas de crédito são a restrição e os aspetos disponíveis para as linhas de crédito não são as melhores, não são adequados ao sector das pescas, e por isso a única coisa de que o sector beneficiou de apoios, foi o FundoPesca que foi ativado e a cessação temporária da atividade. Do ponto de vista empresarial, do ponto de vista do armador, os apoios foram praticamente nulos porque não estão adequados ao sector das pescas. Inclusivamente uma linha de crédito que para o sector das pescas não teve significado. Quando se fala na questão do desemprego, do layoff e de todas as medidas colocadas em prática, quando vamos para o sector das pescas não tiveram qualquer efeito. Por isso destes apoios que deverão vir, esperamos que venha alguma coisa para a pesca mas adequada à realidade que se vive nos Açores e não aquilo que foi criado até ao momento.

Não tendo a pesca parado e havendo este desfasamento da necessidade real e dos apoios disponíveis, há pescadores a passar ainda mais dificuldades?

O sector das pescas, ao contrário do que estávamos a esperar no âmbito da pandemia e das quebras que pudesse haver nas vendas, houve quebras e, como em todos os sectores da economia houve quebras bastante significativas, mas não tanto como estávamos à espera na chamada primeira vaga. Já nesta segunda vaga, estamos a sentir isso de forma considerável e por isso não tenho muitas dúvidas que o sector vai precisar de apoio e achamos que vai-se fazer sentir até ao primeiro trimestre de 2021 e, se não houver apoios imediatos, dificilmente muitas empresas da pesca vão conseguir aguentar a sua atividade. O sector até ao momento ainda não parou, e não vai parar, e normalmente este período entre Outubro e o primeiro trimestre do ano normalmente, costuma ser dos piores devido às condições climatéricas que se fazem sentir, bem como os mercados que a partir de Janeiro têm alguma quebra. Mas naquilo que é a pandemia, estamos certos que vai ser catastrófico para as pescas. Temos tido um contacto permanente com a Associação de Comerciantes de Pescado, que nos vai indicando o ponto de situação, e como disse, as encomendas têm sido anuladas consecutivamente e por isso, tanto nas quantidades como nos preços em lota, quase que não vale a pena o pescador ir para o mar. Porque ao ir para o mar, vai pescar e vai vender a preços que nem dá para a despesa. E por isso mesmo, temos de encontrar aqui medidas que compensem o pescador por não exercer a sua atividade. Essa questão da cessação temporária é uma boa medida, desde que tenha financiamento para isso, e esperamos que continue até Março do próximo ano.

Que mensagem gostava de deixar aos pescadores nesta altura?

Queria deixar aqui um apelo, neste caso mais para pescadores e armadores da ilha Terceira e São Miguel, dos cuidados a ter nesta altura. Como disse, nem sempre é muito fácil trabalhar no mar com estas condições, mas a saúde das pessoas está acima de tudo, bem como a dos nossos familiares. Por isso, vamos todos ter de fazer algum sacrifício e também os armadores e pescadores para que estes números desçam mais rapidamente para que possamos ter um Natal mais tranquilos.

Fonte: Correio dos Açores