Crise nos mercados deixa barcos de pesca em terra

Itália, Espanha e até já o continente português estão a deixar de comprar peixe açoriano. Valor em lota caiu a pique na segunda-feira e, desde aí, cerca de 80% da frota da frota de pesca está em terra.

O tempo até tem estado ótimo e este fim de inverno deveria estar a ser de boas capturas e rendimento para a pesca. No entanto, a pandemia de Covid-19 que assola o mundo inverteu este cenário praticamente de uma semana para outra. O resultado é a contradição de estar um ótimo tempo para pescar, mas cerca de 80% da frota estar neste momento em terra. E o motivo é simples de explicar: as economias de Itália e Espanha estão paralisadas devido à Covid19 e estes dois importantes mercados de exportação praticamente deixaram de comprar peixe açoriano. E como a economia portuguesa também está prestes a paralisar devido à Covid-19, até para o continente já quase não é escoado peixe açoriano. Não que as pessoas não esteja a comprar alimentos e muito, mas porque o peixe fresco, que exige saídas à rua frequentes para o comprar, está a ser substituído pelo peixe congelado nas arcas frigoríficas dos portugueses em quarentena. E os restaurantes, que são os grandes compradores de peixe, ou já fecharam, ou estão a fechar em Itália, Espanha e Portugal.

O escoamento para o continente e a exportação para o estrangeiro caíram cerca de 80% desde a chegada da pandemia de Covid-19 à Europa. Para se ter uma ideia da tragédia que se abateu sobre a pesca açoriana, na passada segunda-feira, o goraz, que costuma sair em lota a cerca de 20 euros o quilo, foi vendido por um valor a rondar os 5 euros por quilo, ou seja, uma quebra de 75% no preço. Para tal contribuiu também o facto de muitas embarcações já estarem no mar no fim da passada semana, quando foi dado o primeiro alerta aos armadores no sentido de conterem as saídas para a pesca. Por isso, quando as embarcações regressaram e o peixe foi à lota na segunda-feira, os preços caíram a pique. Desta forma, não vale a pena sair ao mar e, por isso, quer os palangreiros – que vão capturar as espécies de exportação como o goraz, o cherne, o alfonsim ou o imperador – quer os atuneiros estão neste momento em terra. E os poucos barcos que ainda vão saindo para o mar, fazem-no na tentativa de capturar espécies que tenham venda no mercado interno, o único que ainda está comprar.

No entanto, há que ter em conta que o mercado dos Açores não chega a
consumir um terço do total de peixe capturado na Região. Por isso, as
associações ligadas ao setor pedem ajuda, com urgência. Em declarações ao Açoriano Oriental, o presidente da Federação das Pescas dos Açores, Gualberto Rita, admite que “ainda não é possível avaliar tudo, mas o prejuízo será muito, muito grande”, havendo neste momento um forte descontentamento no setor da pesca. Além disso, Gualberto Rita refere que também na pesca se estão a tomar medidas de prevenção e contenção da propagação da Covid-19, nomeadamente através de uma orientação clara aos armadores no sentido de saírem para o mar reduzidos a cerca de metade da tripulação, uma vez que o barcos têm uma área muito reduzida e os pescadores trabalham muito próximos uns dos outros. O presidente da Federação das Pescas dos Açores refere, por fim, que já estão a ser estudadas com o Governo dos Açores formas de compensar o setor, nomeadamente com apoios aos pescadores e armadores para fazer face aos enormes prejuízos que estão a ter. Por seu lado e também em declarações ao Açoriano Oriental, o secretário geral da Associação de Comerciantes de Pescado dos Açores, Pedro Melo, afirma que “estamos num momento muito difícil para fazer qualquer análise, sobretudo porque as coisas se alteram com uma enorme rapidez”.

Pedro Melo afirma que “houve uma diminuição das capturas, houve uma diminuição do escoamento do
pescado e o que está aqui em causa é a retração dos mercados”. E lembra que a queda abrupta que se verificou no preço do peixe na passada segunda-feira derivou da situação de grande instabilidade dos mercados neste momento e não da intervenção dos comerciantes de pescado, porque “ninguém quer comprar peixe, arriscando-se a ficar com ele em casa porque não o consegue escoar, não podendo os comerciantes ficar com o ónus desta situação”. Pedro Melo salienta ainda a necessidade de, neste momento, todos os intervenientes no setor da pesca comunicarem permanentemente entre si para que não sejam tomadas medidas precipitadas que prejudiquem toda a fileira.

Também a organização de produtores da pesca Porto de Abrigo afirmou em comunicado que “perante quebras de rendimento excecionais, são necessárias medidas imediatas e específicas”, salientando que se justifica “manter a atividade de abastecimento de pescado fresco à população, como um bem essencial”, ao mesmo tempo que pede “medidas que estanquem a extraordinária redução dos preços de primeira venda que, nalgumas espécies e nalgumas lotas da Região, reduziram entre 50% a dois terços”.

Saliente-se, por fim, que já ontem o Governo dos Açores anunciou, através do GACS, que as empresas e outras entidades beneficiárias do Programa Operacional Mar 2020 vão ser abrangidas por um conjunto de medidas excecionais para minimizar os impactos económico-financeiros da crise provocada pelo novo coronavírus. Estas são medidas excecionais que se aplicam apenas a projetos de investimento e não a prémios, sendo que, no caso dos Açores, poderão abranger os beneficiários de projetos em curso no âmbito dos regimes de apoio aos investimentos a bordo, à transformação e comercialização de produtos da pesca e da aquicultura, à inovação em aquicultura, aos investimentos produtivos na aquicultura e às parcerias entre cientistas e pescadores.

Fonte: Açoriano Oriental