“Necessidade urgente de regular as relações laborais entre pescadores e armadores, para reduzir a precariedade existente no sector”

Em entrevista ao Correio Económico, Presidente da Federação das Pescas dos Açores fala sobre o atual momento que o sector atravessa em consequência da Covid-19, elogia o mandato de Gui Menezes, mas considera que podia ter sido mais ambicioso na reivindicação das quotas para a Região.

CE- Como caracteriza o atual momento do sector das pescas nos Açores?

GR- A pandemia Covid-19 não poupou ninguém e quem vive do negócio do mar também está preocupado com as consequências a médio e longo prazo desta situação. A pesca foi afetada de forma grave e significativa, devido ao encerramento parcial dos mercados internacionais que são de elevada importância para o sector, pois são os principais compradores das espécies mais valorizadas em primeira venda. Também a diminuição do número de voos e destinos, dificultaram o escoamento do pescado e o encerramento do canal Horeca por todo o mundo, têm tido fortes
impactos no rendimento dos pescadores.

CE- A Covid 19 afetou o rendimento dos pescadores. O que foi feito para colmatar esta situação?

GR- Para colmatar esta situação foi solicitado pela Federação das Pescas dos Açores (FPA) a isenção das taxas de lota, o acionamento do Fundopesca, o pagamento de um apoio de exceção aos pescadores que não estavam abrangidos pelo FundoPesca, o adiantamento dos apoios referentes ao POSEI pescas, bem como a criação da portaria da cessação temporária da atividade comercial.

CE- Há um problema estrutural no sector. O preço do pescado tem vindo a subir muito, mas o rendimento dos pescadores continua a ser muito baixo. É na comercialização, e não na apanha, onde se canaliza o lucro da atividade, ou seja, são os intermediários que ficam com o grosso dos ganhos da actividade? E os armadores?

GR- A diferença de preços entre a comercialização e a produção diminuiu relativamente ao que acontecia há alguns anos atrás e o preço médio em lota tem aumentado. No entanto há a necessidade urgente de regular as relações laborais entre pescadores e armadores, para reduzir a precariedade existente no sector e proporcionar uma real equidade na distribuição dos rendimentos, contribuindo para a dignificação da profissão de pescador e da coesão social das comunidades piscatórias.

CE- Há uma redução de recursos. Acha que está a ser feita uma gestão correta na monitorização das espécies, política aliás que é definida pela UE?

GR-O sector das pescas em todo o mundo, e os Açores não são exceção, enfrentam desde há vários anos, desafios estruturantes dos quais depende o seu futuro, desafios que se prendem essencialmente com a diminuição dos recursos. Temos verificado isto em algumas espécies, estão por isso a ser reduzidas as quotas impostas pela união europeia. A pesca nos Açores, de baixo esforço, praticada com recurso a artes tradicionais altamente seletivas, que promove a captura de diversas espécies maduras de elevada qualidade, cumpre todas as premissas para que os apoios à nossa pesca sejam majorados. Consideramos por isso, que qualquer penalização resultante da diminuição da TAC, deve exclusivamente incidir nos estados membros que utilizam artes de pesca mais depredadoras e não nos que têm dado um forte contributo para a estabilidade dos stocks e equilíbrio ambiental.

CE- Estão a ser desenvolvidos alguns projectos ao nível da aquacultura na ilha de São Miguel. Acredita nas soluções propostas?

GR- A aquicultura desenvolvida em S. Miguel, mais especificamente na Ribeira Quente, embora seja no momento ainda de Investigação e Desenvolvimento, parece-nos bem estruturada pois é desenvolvida por um grupo privado, uma Cooperativa de Pescadores e a Universidade dos Açores. É do interesse envolver a classe piscatória e integrá-los no potencial futuro negócio. Julgamos que a parceria feita tem este mérito e os primeiros resultados, já começam a aparecer.

CE- A Federação das Pescas propõe fazer a monitorização e o acompanhamento da frota do atum. Quais as vantagens desta situação para os pescadores dos Açores?

GR- A FPA entende que deve haver uma discriminação positiva nas possibilidades de pesca para as embarcações açorianas licenciadas para o “salto e vara” e que as regiões autónomas deveriam passar a gerir 95% da quota portuguesa, para capturas de atum patudo e voador. Não podemos admitir a dependência do estado membro na gestão de pelágicos que passam nas nossas águas. Consideramos ainda que o rendimento da captura destas espécies tem muito impacto no rendimento dos pescadores.

CE- Existe uma população piscatória envelhecida que tendencialmente mais cedo ou mais tarde vai abandonar o sector. Está a aparecer uma nova classe de pescadores, jovens, com formação para encarar os desafios futuros?

GR- Estamos a fazer os possíveis para que a classe jovem continue a trabalhar ou se interesse pelo sector, para isso, estamos em parceria com a Direção Regional das Pescas e da Escola do Mar dos Açores, a promover cada vez mais a formação e certificação dos pescadores e de toda a fileira da pesca, com o intuito não só de agilizar e fortalecer a economia do mar, mas também no sentido de se atingirem melhores práticas de segurança, manuseamento, processamento e conservação de pescado a bordo.

CE- Está a ser feito algum trabalho, mesmo pelo sector da restauração, para reabilitar algumas espécies até aqui sem grande valor de mercado. É este o futuro, as espécies mais valorizadas serem exportadas para mercados dispostos a pagar muito mais, e ao nível interno, ficarmos com as espécies menos valorizadas?

GR- A forma de mantermos os rendimentos dos profissionais sem sobre explorar os recursos é o aumento do preço médio das espécies. Quem define esses preços é o mercado (pela lei da oferta e da procura) e obviamente que, os mercados “mais ricos” conseguem pagar mais por determinadas espécies. No entanto, estamos a tentar, através de campanhas junto dos consumidores, valorizar o pescado de baixo valor comercial, mas com um elevado teor nutritivo.

CE– Está a chegar ao fim o mandato deste Governo. Em termos globais como avalia a atuação de Gui Menezes à frente da pasta das Pescas. Que fatores positivos e negativos gostaria de destacar?

GR- É uma pessoa que tem um amplo conhecimento e experiência nesta área, no nosso entender e de uma forma global apresentou soluções válidas para os constrangimentos que se apresentaram e perspetivam para o futuro das pescas nos Açores. No entanto, entendemos que poderia ser mais ambicioso na reivindicação das quotas para a Região.

Fonte: Correio Económico